Por Déa Aguiar.
Sexta feira, sete horas da matina. Levanto devagar, quase sem respirar e troco de roupa na velocidade da luz – é dia de fazer exame de sangue e, por razões de pandemia e frio glacial, é melhor deixar o bebê em casa. Nós nunca ficamos separados mais que o tempo de um banho.
São apenas 250 metros da minha casa até a Unidade Básica de Saúde. Documentos, guias de coleta, máscara, álcool gel; tudo pronto e saio do prédio. O ar da manhã está gelado, mas o céu bem azul, limpinho! Me lembra da época em que eu era criança e ia pra escola nesse horário, de mãos dadas com meu pai.
Penso no bebê em casa, imagino se ainda está dormindo. Agonia! Acelero os passos e minha mente alerta: talvez eu não tenha tirado as remelas antes de sair. Levo os dedos aos olhos para checar. Ufa, tudo limpo! O alívio passa rápido – como, em nome de Deus, fui meter as mãos nos olhos? Refaço meus passos e lembro que saí pelo portão de veículos, não tocando em nada. Ainda assim, passei álcool nas mãos e no controle. Deve ter ido um pouco nos olhos, pois estão ardendo. Dou uma risadinha nervosa por debaixo da máscara e oro em silêncio pra que esse pequeno deslize não seja o meu fim.
Quase chegando ao meu destino, devo subir a ladeira extremamente íngreme que leva ao portão da UBS. Fico feliz em ver que meu condicionamento físico ainda é bom, mesmo após parir e ficar confinada. No mesmo pique, entro no pátio e dou de cara com a tenda de atendimento exclusivo para Covid. Fitas de isolamento, cadeiras espaçadas e profissionais com todos os EPI’s possíveis, me fazem sentir num filme de ficção científica. Dou uma segurada no ar, pra não respirar perto da tenda e acelero ainda mais. Porém, uma enfermeira que parece ter saído da NASA, me barra, já mirando um laser na minha testa e fazendo mil perguntas sobre meu estado de saúde e motivos pra estar ali. Checou minha temperatura e me deixou passar.
Entrego as guias de coleta ao atendente no balcão. Ele pede para esperar, então peço, gentilmente, para que me dê uma senha preferencial, pois sou lactante. Sou informada sobre o fato de que todas as pessoas antes de mim são preferenciais, como eu. Todas idosas ou gestantes. ” Você pode esperar?”, ele me pergunta. Em frações de segundos, imagino meu bebê acordando e querendo mamar, se esgoelando no colo do pai, que não tem o que fazer. Respondo, sem pensar, num tom de desespero contido: Esperar eu posso, mas PRECISO LEVAR MEUS PEITOS PRA CASA! Risos nervosos. Meus olhos fitam os do atendente e creio que ele tenha compreendido urgência, pois chamou a enfermeira, que rapidamente fez a coleta.
Agradeço a todos, saio voando, sem coragem de olhar o celular. Deve ter 1000 chamadas perdidas, áudios, mensagens. Só não corro, por medo de me estabacar na rua. Chego à porta do apartamento, não ouço nada. Tiro meus tênis e começo o processo de entrar em casa sem contaminar nada.
As meninas estão sentadas, esperando o café que meu marido está servindo. E o bebê? Dormindo. Como uma pedra! Tiro a roupa, ensaco, tomo banho. Quando termino de me vestir, aquele pacotinho risonho começa a se mexer na cama. Esfrega os olhinhos, se espreguiça e demonstra sua alegria em me ver.
Rio da situação e meu estômago ronca. É hora de quebrar o jejum e o cheirinho de café me chama – o bebê já pode mamar, pois os peitos estão em casa.
Texto e imagem publicados originalmente em 02/08/2020, em https://www.facebook.com/adonadeaa. Reproduzidos com autorização da autora.