escrito em 09/09/2020
Eu estava doente e sem poder trabalhar, levei uns calotes de clientes pra quem já havia entregue o serviço. Acabei me enroscando com cartão de crédito, limite de banco e afins – as crianças seguiam precisando das coisas e eu ia tapando buracos:
– Quando eu voltar, boto tudo em dia!
Ocorre que, nem sempre, é assim. O banco cobra juros tão altos que, nem com todo o meu esforço, conseguia pagar. Em pouco tempo, os dígitos iam sendo multiplicados e eu seguia em tentativas de negociar. Não contei pra ninguém. Por vergonha, principalmente.
Mas um dia, meu telefone toca. Era meu pai, falando que abriu a correspondência do banco. Me pediu desculpas, mas disse que ficou preocupado e queria me ajudar. Eu me sentia constrangida, mas ele não me cobrou explicação ou deu sermão. Apenas me pediu para negociar um determinado valor:-
Não vamos deixar isso crescer, filhinha. A cada dia que passa, vai piorar, vamos resolver logo.
Por burocracia, todo mês eu devia ir a uma agência para buscar o boleto da vez. Com a pandemia, o procedimento passou a ser um telefonema para receber o código por SMS. O vencimento é todo dia 7 e, nesta época, tínhamos a mesma conversa, onde ele me pedia pra não esquecer e, após pagar, me enviava o comprovante seguido da frase “vencemos mais uma, graças a Deus”.
Ele não era rico. Trabalhava como porteiro num condomínio chique. Se apertava daqui e dali pra cuidar de nós e me acolheu quando viu a encrenca na qual havia me metido. Nesta semana, paguei o boleto. Mas ele não me respondeu que vencemos mais uma.
Essa vai ser difícil de vencer, pai. A dor da sua ausência multiplica-se mais rápido que os juros do banco.
Texto e imagem reproduzidos com autorização da autora e publicados originalmente em https://www.facebook.com/adonadeaa.