escrito em 25/08/2020

Oi, pai! Ontem vi você. DES MON TEI.

Logo eu, que pensava estar preparadíssima. Que tenho na ponta da língua tudo o que aprendi sobre capelania hospitalar, comunicação de notícias difíceis, cuidados paliativos, etecétera e tal.

Antes do horário marcado, tomei um café sem açúcar com uns quadradinhos de chocolate amargo. Tentei prender meu cabelo, que está pedindo por um corte (e vai ficar querendo). Coloquei meus óculos, pra dar uma disfarçada nas olheiras. Acreditei que estava prontíssima pra te ver – falaria calmamente sobre o quanto amo você. Diria ter orgulho do quanto tem lutado, mas que tudo bem se você quiser descansar. Você me deu amor suficiente pra várias vidas. Faria uma oração. Cantaria uma música daquelas que você gosta. Pensei em algo do Guilherme Arantes.

A psicóloga apareceu na tela, sorrindo por trás dos EPI’s. Me explicou o que eu veria e pra que serviria cada tubo conectado a você. Sorri de volta, agradeci. Então você apareceu. Senti o chão sob meus pés desabar.

Arranquei os óculos. Me encostei na primeira coisa que senti atrás de mim – era o berço do Caio. Seu netinho que tem a idade da pandemia. Aquele a quem você ama e sonha em poder brincar, mas que não pôde ainda chegar perto.

Chorei como quando tinha 6 ou 7 anos e os meninos da escola me maltratavam. Eu te ligava a cobrar, do orelhão vermelho na porta da escola: volta, paizinho. Eu preciso de você. Você, sempre explosivo, dizia que ia quebrar todo mundo. Ai, de quem nos fizesse sofrer.

Mas ontem você ficou lá, inerte. Com os olhos fechados e por um momento, lembrei de quando eu te acordava com uma ligação e pedia desculpa. A gente sempre ria disso. Mas você não acordou dessa vez.

Não consegui cantar. Mas orei com você. Depois ri, pensando na forma como você fala “ô, Deus abençoado”! A Sofia pediu pra te falar que é bom você dormir bastante pra estar descansado quando voltar a trabalhar. A Malu disse que é pra você fingir que está acampando. Elas não quiseram te ver assim, mas eu dei os recados..Tenho esperança. Talvez uma esperança ingênua da criança que resta em mim, mas crê que, numa das ligações, vai ouvir: ele voltou.

Te amo, paizinho. Pra sempre.

Imagem e texto reproduzidos com a autorização da autora, publicados originalmente em https://www.facebook.com/adonadeaa/posts/601452227193654

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