Ontem precisei ir a um laboratório para coleta de sangue. Exames de rotina. Enquanto espero para ser atendida, chega um casal de idosos, ele dois passos à frente dela, pareciam desconfortáveis e apreensivos em estar ali. Como eu e as outras pessoas que aguardavam para ser atendidas, com suas máscaras e a devida distância umas das outras.
A senhora, mais ou menos da minha altura, passa por mim, toca carinhosamente meu braço esquerdo e, ao entrar, me diz meio que se desculpando: “só vim acompanhar ele”.
Instantaneamente minha mente acende o alerta para o braço (cheio de coronavírus imaginários). “E agora?”, penso eu, “o que faço?”. Disfarcei meu desconforto, ou pelo menos acho que disfarcei. Esperei um pouco, discretamente, então, saquei meu álcool gel da bolsa, besuntei o braço com vontade, eliminando a ilusória, ou não, possibilidade de ter sido contagiada pela afetuosa senhora, que usava a máscara, muito maior do que deveria, deixando seu nariz e lábio superior à mostra. Ainda pensei: “ela nem deveria estar aqui, devia ficar em casa”. Mas, cada consciência faz suas escolhas. Escolhi apenas sorrir pra ela, passar o álcool gel sem que ela percebesse, e manter os julgamentos que pululavam na minha mente, só pra mim.
Chega minha vez, meu sangue é colhido, no mesmo braço tocado pela senhora, em meio a uma conversa trivial com a enfermeira sobre plantas tatuadas na pele.
Ao terminar o exame, volto à recepção para pegar o lanche grátis pós-jejum. Ouço uma mulher ser atendida. Ao ser perguntada se ela tomava algum medicamento, ela responde: “anticoncepcional e fluoxetina”. Reflito, um tenta mascarar o efeito do outro, lembro de quando eu tomava esses dois medicamentos juntos, e do quanto aquele tempo, foi um daqueles tempos em que eu muito me desconectei de mim. Me dá vontade de falar pra moça: “ei, você não precisa disso, há outros caminhos, volte a se conectar com sua natureza, abandone as máscaras da medicação, a transição vai ser difícil, mas se você persistir e tiver o acompanhamento necessário, depois tudo vai fluir de maneira mais consciente e autêntica, tem muitas tecnologias naturais humanas que ajudam a gente a viver com nosso oscilar de emoções.”
Mas, nada digo, pego o pacote com o lanche, tiro o álcool 70 da bolsa, agora em spray, borrifo no pacote, desembrulho, mordo a maçã, e em silêncio, sigo meu caminho.